O locador pode simplesmente trocar as chaves e retomar o bem?

Em um contrato de locação, comercial ou não, o proprietário do imóvel transfere a ocupação direta do bem ao locatário, remanescendo-lhe a posse indireta.

Assim, embora o locador detenha a propriedade do imóvel – e com isso o poder de gozar, usar e dispô-la – quando opta por alugar o bem a um terceiro, deixa de exercer com plenitude todos os poderes que possui.

Diante disso, na condição de abandono do imóvel pelo inquilino existe a dúvida de como reaver o imóvel, considerando a necessidade de rescisão contratual – que não se opera de modo automático.

Primeiro, não se pode ignorar o dever de preservação do bem, seja contra o abandono ou qualquer outra hipótese que coloque o imóvel em risco (artigo 23, Lei nº 8.245/91), mas é válido salientar que o locatário é protegido pela segurança da propriedade enquanto bem individual e inviolável (artigo 5º, caput e inciso XXII, Constituição Federal).

Nesse sentido, o artigo 22, da Lei nº 8.245/91, prevê ao locador o dever de garantir ao locatário o uso pacífico do bem durante a locação.

O direito a inviolabilidade domiciliar é tão caro ao ordenamento jurídico que, por ultima ratio, há previsão no Código Penal do crime de violação de domicílio (artigo 150).

Por isso, toda cautela é indispensável, eis que a tentativa de retomar o imóvel pode ser considerada um abuso de direito.

Nesta linha, sopesando-se os direitos individuais, verifica-se que o locatário está exercendo o animus da posse, até que com a comprovação da rescisão do contrato – e tão somente – é que se pode falar em restituição do bem ao proprietário/locador.

A hipótese, aqui, de rescisão não precisa se restringir a um eventual inadimplemento cumulada com o abandono (apesar de ser a circunstância mais comum), mas o próprio abandono do imóvel coloca em risco a propriedade (mesmo que adimplente), já que não está sendo utilizada para o fim contratado e muito menos sendo cuidada.

É que a preservação do bem, por si só, também é dever do locatário, não mera condição contratual. Tanto que, fazendo-se uma breve analogia, se fosse o proprietário a abandonar o imóvel, estar-se-ia colocando a propriedade a disposição de arrecadação por ente público, conforme artigos 1.275 e 1.276, do Código Civil.

Então, a dificuldade do locador em comprovar o abandono, para a rescisão contratual, poderá ser probatória.

Neste cenário, ainda há quem defenda a mera confecção de uma ata notarial, seguida por testemunhas, para a troca das chaves.

Inobstante, não há permissão legal para esta atitude de rompimento unilateral do contrato e invasão da posse, sendo ilícita e em tese passível de responsabilização, civil e criminal, a depender do caso concreto (artigo 05º, e 23, III, da Lei nº 8.245/91).

Portanto, se o inquilino abandonar o imóvel, é necessária, de fato, a confecção da ata notarial, seguida por testemunhas, mas, em seguida, o ajuizamento da respectiva Ação de Despejo para que, liminarmente, o Poder Judiciário autorize ao proprietário/locador reaver a posse plena do imóvel.

Dessa maneira, o Poder Judiciário garantirá que todos os direitos sejam respeitados, tanto o da ocupação pelo locatário, quanto o da propriedade exercida pelo locador.

ÉVORA VIEIRA CASTANHO