O princípio iura novit curia, essencialmente traduzido como “o juiz conhece a lei”, constitui um importante pilar no litígio arbitral. Ele designa a prerrogativa do julgador identificar e aplicar a norma jurídica pertinente ao caso concreto, independentemente das qualificações jurídicas especificamente invocadas pelas partes. Este princípio, quando transposto para o ambiente arbitral, adquire características particulares que refletem tanto a autonomia quanto a complexidade deste meio de resolução de conflitos.

Na arbitragem, os árbitros assumem a função do juiz estatal e, com isso, a responsabilidade de aplicar o direito adequadamente. Diferentemente dos juízes tradicionais, os árbitros são frequentemente selecionados por sua expertise específica. Essa expectativa por especialização confere aos árbitros não apenas o poder, mas também o dever de decidir com base em uma densa compreensão das normas jurídicas, incluindo aquelas de âmbito internacional, quando aplicável.

A autonomia dos árbitros, fortalecida pelo princípio iura novit curia, permite uma aplicação do direito que é essencialmente influenciada pela sua capacidade interpretativa e pelo seu entendimento especializado. Um exemplo prático da aplicação e implicações deste princípio pode ser observado na análise do Recurso Especial Nº 1.636.102 SP, relatado pelo Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva no Superior Tribunal de Justiça:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE SENTENÇA ARBITRAL. VÍCIOS FORMAIS. AUSÊNCIA.

  1. Demanda na qual se questiona a validade de sentença arbitral por ofensa aos princípios da motivação e do contraditório, além de outros vícios formais.
  2. Na ação de invalidação de sentença arbitral, o controle judicial, exercido somente após a sua prolação, está circunscrito a aspectos de ordem formal, a exemplo dos vícios previamente elencados pelo legislador (art. 32 da Lei no 9.307/1996), em especial aqueles que dizem respeito às garantias constitucionais aplicáveis a todos os processos, que não podem ser afastados pela vontade das partes.
  3. Hipótese em que a sentença arbitral não está fundada em meras suposições, mas, sobretudo, na ausência de cláusula penal para a hipótese de resolução antecipada do contrato e na vedação ao enriquecimento sem causa.
  4. Aplica-se à arbitragem, à semelhança do processo judicial, a teoria da substanciação, segundo a qual apenas os fatos vinculam o julgador, que poderá atribuir-lhes a qualificação jurídica que entender adequada ao acolhimento ou à rejeição do pedido, não se podendo afirmar, no caso em exame, que a solução apresentada desbordou das postulações inicialmente propostas.
  5. No procedimento arbitral, é plenamente admitida a prorrogação dos prazos legalmente previstos por livre disposição entre as partes e respectivos árbitros, sobretudo em virtude da maior flexibilidade desse meio alternativo de solução de conflitos, no qual deve prevalecer, em regra, a autonomia da vontade.
  6. Se a anulação da sentença proferida fora do prazo está condicionada à prévia notificação do árbitro ou do presidente do tribunal arbitral, concedendo-lhe um prazo suplementar de dez dias (art. 32, VII, da Lei de Arbitragem), não há motivo razoável para não o aplicar a mesma disciplina ao pedido de esclarecimentos, que, em última análise, visa tão somente aclarar eventuais dúvidas, omissões, obscuridades ou corrigir possíveis erros materiais.
  7. Sentença arbitral pautada em princípios basilares do direito civil, não importando se houve ou não referência expressa aos dispositivos legais que lhes conferem sustentação, não havendo como afirmar que houve julgamento por equidade, em desrespeito às condições estabelecidas no compromisso arbitral.
  8. O mero inconformismo quanto ao conteúdo meritório da sentença arbitral não pode ser apreciado pelo Poder Judiciário. Precedentes.
  9. Recursos especiais não providos.

O caso envolveu a revisão de uma sentença arbitral, onde foi questionada a validade da decisão arbitral sob alegações de violações de princípios processuais e outras formalidades jurídicas. O tribunal destacou a autonomia e a flexibilidade na arbitragem, ressaltando que os árbitros têm a liberdade e o dever de aplicar o direito adequado, fundamentando suas decisões de maneira robusta e abrangendo todas as questões de fato e de direito relevantes, ilustrando como o princípio iura novit curia é implementado na prática arbitral. Importante ressaltar que, conforme a teoria da substanciação, aplicável tanto à arbitragem quanto ao processo judicial, os árbitros são guiados pelos fatos apresentados e têm a liberdade de atribuir a qualificação jurídica que considerarem adequada, garantindo que a solução do caso não exceda o escopo das demandas iniciais das partes – a clareza na condução dos procedimentos e a garantia de que as partes possam compreender e discutir as bases legais consideradas pelo árbitro são essenciais para evitar percepções de parcialidade ou de injustiça.

A principal preocupação da aplicação de tal princípio reside na possibilidade de divergência entre a interpretação do árbitro e as expectativas das partes quanto à aplicação da lei.

A autonomia conferida aos árbitros, sob a égide do iura novit curia, possui dois rostos: ela proporciona aos especialistas a liberdade necessária para aplicar seu conhecimento profundo e específico do direito, resultando em decisões mais informadas e adaptadas às complexidades dos casos que lhes são apresentados. Por outro lado, essa liberdade demanda dos árbitros um rigor excepcional

na análise jurídica e na fundamentação de suas decisões, a fim de evitar quaisquer percepções de arbitrariedade ou parcialidade.

Em conclusão, o princípio iura novit curia na arbitragem equilibra a autonomia dos árbitros com a necessidade de previsibilidade e segurança jurídica.