O exercício da atividade empresarial (em um mundo globalizado) é suscetível a variáveis mercadológicas que, por vezes, fogem do controle dos empresários e administradores que coordenam e definem a forma de interação das empresas com a sociedade em geral.
Inclusive, por mais diligente e precavido que seja o empreendedor brasileiro, não é raro que fatores adversos e imprevisíveis influenciem negativamente nos resultados financeiros almejados, a exemplo da pandemia do COVID-19 e a Guerra da Ucrânia.
Nesse contexto, a Lei nº 11.101/2005 (Lei de Falências e Recuperação Judicial – LFR) apresenta um conjunto de procedimentos que podem ser adotados para superação de crises econômico-financeiras temporárias, dentre os quais se destaca a utilização do instituto da recuperação judicial, em que a sociedade devedora busca a negociação de condições de pagamento junto à coletividade de credores sujeitos ao procedimento através de um processo judicial.
Por outro lado, apesar de o procedimento de recuperação judicial ser pautado no princípio regente da preservação da empresa, é prudente ressaltar que o processo traz riscos ao prosseguimento da atividade empresarial, na medida em que, caso descumpridos os deveres legais impostos ao devedor, a recuperação judicial poderá ser convolada em falência, cujo procedimento apresenta um objetivo deveras diverso: o encerramento regular da sociedade insolvente.
Ainda assim, com o advento da Lei nº 14.112/2020, a legislação falimentar (LFR) sofreu alterações significativas, as quais visam reaproximar os seus institutos e procedimentos à realidade atual do mercado globalizado, em que se destaca a inclusão e a modificação de dispositivos legais previstos no instituto da recuperação extrajudicial.
Com efeito, a Lei nº 14.112/2020 alterou a redação do §1º do art. 161 da LFR, que em sua redação primitiva estabelecia expressamente a inaplicabilidade do procedimento de recuperação extrajudicial aos créditos trabalhistas e decorrentes de acidente de trabalho. Dessa forma, a nova redação do §1º do art. 161 da LFR incluiu a sujeição dos créditos trabalhistas e por acidentes de trabalho ao procedimento de recuperação extrajudicial, condicionando-a à negociação coletiva com o sindicato da respetiva categoria profissional.
Além disso, foi alterado o texto do caput do art. 163 da LFR, reduzindo-se o quórum mínimo (de 3/5 para a 1/2) previsto para o pedido de homologação do plano de recuperação extrajudicial, através do qual o devedor poderá obrigar todos os credores abrangidos pelo plano às condições de pagamento nele estabelecidas.
Nada obstante, houve a inclusão do §7º ao art. 163 da LFR, que possibilita a distribuição do pedido de homologação do plano de recuperação extrajudicial com a comprovação de anuência de 1/3 dos credores de cada classe abrangida, condicionando-se a homologação ao atingimento da metade de cada classe no prazo improrrogável de 90 dias, facultada ao devedor a conversão do procedimento em recuperação judicial.
Por fim, foi incluído o §8º ao art. 163 da LFR, que determina a suspensão prevista no art. 6º da LFR (stay period) em relação aos créditos abrangidos pelo plano, devendo apenas ser ratificada em caso de distribuição do pedido na forma do art. 163, §7º, da LFR. Antes da reforma, o procedimento da recuperação extrajudicial não contemplava a suspensão de direitos e ações, o que tornou a medida pouco usual no período de vigência da redação primitiva da LFR.
Portanto, nota-se que o objetivo do legislador infraconstitucional foi de tornar mais atrativa a utilização do procedimento de recuperação extrajudicial, justamente para incentivar o uso dessa medida antes mesmo que seja intentado o soerguimento da sociedade devedora através da recuperação judicial. Até porque, em caso de insucesso na recuperação extrajudicial, não há risco de convolação em falência e o devedor ainda terá a possibilidade de ajuizar pedido de recuperação judicial como ultima ratio.
Sendo assim, revela-se prudente que as sociedades em crise busquem assessoria especializada para que todas as possibilidades de superação sejam efetivamente analisadas e aplicadas de acordo com a situação específica vivenciada pela empresa, evitando-se, assim, o encerramento de organizações que contribuem de sobremaneira para a circulação de riquezas na sociedade.