A exemplo de outros setores sociedade, o Poder Judiciário enfrenta inúmeras transformações. A inteligência artificial e as estatísticas já constituem um dado concreto no desempenho de suas atividades. A pandemia, instaurada pela malsinada Covid-19, agilizou essas mudanças por intermédio de julgamentos e salas virtuais. Dentre os atuais objetivos do Conselho Nacional de Justiça, estão o “Juízo 100% digital” e o “Programa Justiça 4.0”, sob o argumento que ambos propiciarão um “diálogo entre o real e o digital para o incremento da governança, da transparência e da eficiência do Poder Judiciário, com efetiva aproximação com o cidadão e redução de despesas” (sic).

Nesse cenário, é de que indagar: será esse projeto de Poder Judiciário previsto em nossa Constituição da República? Penso que não. É fato que essas ferramentas auxiliam o desempenho da função jurisdicional. Todavia, não se pode nunca abandonar o humanismo e a obrigatoriedade do diálogo real e presencial entre os Juízes e seus jurisdicionados. Possui razão o Presidente da OAB/PR, Cássio Lisandro Telles, quando registrou que “não queremos um Judiciário de algoritmos, de máquinas, automático, não queremos juízes sem rosto. (…) queremos Juízes que interpretem os sentimentos, que sintam os dramas sociais e familiares que enfrentam no seu cotidiano e que possam decidir com segurança e qualidade”.

O desafio, por óbvio, não será fácil. Se de um lado não se pode deixar de utilizar as ferramentas digitais que auxiliam na busca de uma justiça mais célere e eficiente; de outro, não se pode admitir que os advogados e os jurisdicionados sejam considerados meros avatares, sem qualquer acesso presencial e real aos integrantes do Poder Judiciário.

Na vida tudo passa. A pandemia também passará, embora deixando sequelas. Todavia, dentre essas sequelas, não podemos admitir que doravante o Judiciário e, por via de consequência, seu atendimento, julgamentos e demais atos continuem sendo 100% digital. É preciso repensá-lo. A sociedade brasileira necessita de um Judiciário forte e independente que resolva os casos que lhe são submetidos, sem perder o humanismo, a fraternidade e o contato real e direto com os jurisdicionados.


Carlos Alberto Farracha de Castro
Advogado. Doutor em Direito UFPR.