A Teoria da Cegueira Deliberada reflete a atribuição da responsabilidade penal àquele que se colocou propositalmente em situação de ignorância a respeito da origem de recursos que utiliza para fins econômicos e, com isso, deixa de conhecer sua procedência ilícita1.

Este artigo não visa debater a origem do instituto ou suas várias manifestações, mas foca exclusivamente na controvérsia quanto à sua aplicação no contexto da lavagem de dinheiro na legislação brasileira.

No ordenamento jurídico brasileiro, a ausência de conhecimento das circunstâncias em que se atua resulta na exclusão da intenção dolosa da conduta.

A complexidade da aplicabilidade desta teoria nos crimes de lavagem de dinheiro reside particularmente no fato de que o tipo penal envolve um elemento imprescindível: as infrações penais antecedentes. Isso porque inexiste crime quando o agente lida com bens cuja origem ilícita ele desconhece ou ignora2.

O instituto gerou grandes repercussões em casos emblemáticos, como na Operação Lava Jato. O antigo Ministro da Justiça, Sério Fernando Moro, enquanto investido no cargo de Juiz Federal, proferiu decisão fundamentada na Teoria da Cegueira Deliberada, condenando João Cerqueira de Santana Filho e Mônica Regina Cunha Moura pelo crime de lavagem de dinheiro3.

A decisão se deu no sentido de que ambos os réus adotaram postura omissa em relação às circunstâncias e à origem dos recursos recebidos, tendo preferido não realizar qualquer indagação a esse respeito.

Todavia, a evidência da controvérsia em relação a esse instituto pode ser extraída de uma decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), afastando a aplicabilidade da Teoria da Cegueira Deliberada4.

A corte estabeleceu que a incidência da teoria exige a comprovação de que o agente finge não perceber determinada situação de ilicitude, com o intuito de obter, a partir desse comportamento, a vantagem ilícita almejada.

1 Ramon Regués I Vallés. La ignorância deliberada em derecho penal. São Paulo: Atelier Libros S.A., 2008. Sobre o tema, ver ainda artigo do autor deste texto: https://www.conjur.com.br/2012-set-04/direito-defesa-tal-cegueira-deliberada-lavagem-dinheiro/.

2 Art. 20 – O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei.

3 Ação penal nº 5013405-59.2016.4.04.7000/PR.

4 AgRg no REsp 1793377/PR, Rel. Ministro JESUÍNO RISSATO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJDFT), QUINTA TURMA, julgado em 15/03/2022, DJe 31/03/2022.