O empreendedorismo no Brasil é considerado uma atividade que exige muita coragem, pois todos aqueles que atuam no meio empresarial sabem que a capacidade de gestão e a diligência de um administrador são qualidades que podem não se revelar suficientes para que o negócio desenvolvido seja bem-sucedido.

Isso porque, por um lado, o Estado apresenta um discurso de fomento à atividade empresarial (justamente pelo seu interesse na circulação de riquezas que beneficia a economia brasileira), de outro, o mesmo Estado impõe uma carga tributária exorbitante que (não raro) prejudica o próprio exercício regular da atividade desenvolvida.

Além disso, as dificuldades do empresário se agravam ainda mais em razão de fatores alheios à própria administração do negócio, como, por exemplo, as crises econômicas regionais, nacionais e mundiais; a inflação; o aumento do custo dos insumos utilizados na atividade desempenhada; as calamidades públicas; as guerras; além de outros eventos que podem comprometer a saúde financeira das empresas.

Como consequência à impossibilidade de cumprir com todas as obrigações assumidas perante os fornecedores, os clientes e o próprio Fisco, inúmeras sociedades sofrem crise financeira insuperável, o que torna o desenvolvimento da atividade insustentável.

Por esse motivo, muitas sociedades em crise não têm outra alternativa além de se socorrerem no procedimento de falência, previsto na Lei nº 11.101/2005, para tentar reduzir os impactos negativos do insucesso em sua atividade empresarial e, inclusive, possibilitar que seus sócios possam se reabilitar para empreender novamente.

Ainda assim, o artigo 102 da Lei nº 11.101/2005 prevê que o empresário falido permanecerá inabilitado para exercer qualquer atividade empresarial desde a decretação de sua falência até a sentença que extinguir as suas obrigações.

Com efeito, os requisitos legais para a extinção das obrigações do falido estão previstos no artigo 158 da Lei nº 11.101/2005, o qual, em sua redação originária, estabelecia as seguintes exigências: (i) o pagamento de todos os créditos (o que é raríssimo de acontecer na prática); (ii) o pagamento de mais de 50% dos créditos quirografários (situação consideravelmente difícil de ser atingida); (iii) o decurso de 05 anos, contado do encerramento da falência, se não houver condenação por crime falimentar; ou, ainda, (iv) o decurso de 10 anos, contado do encerramento da falência, se houver condenação por crime falimentar.

Nota-se, portanto, que a reabilitação do empresário estava condicionada ao encerramento da falência, cujos processos podem durar décadas, o que acabava desestimulando o empreendedorismo no Brasil. Até porque, frente a essa realidade, como é possível fomentar a atividade empresarial no Brasil se, em caso de insucesso (muitas vezes ocasionado por fatores alheios à administração responsável e diligente), o sócio ficará inabilitado por mais de 10 anos?

Diante desse cenário catastrófico para o corajoso empreendedor brasileiro, a legislação falimentar foi reformada por meio da edição da Lei nº 14.112/2020, oportunidade em que foram introduzidas regras que visam aproximar a lei da realidade brasileira, dentre as quais destaca-se o instituto do fresh start, que alterou consideravelmente as condições para reabilitação do empresário falido, logo no artigo 158 da Lei nº 11.101/2005.

Para tanto, foi reduzido o percentual de pagamento dos créditos quirografários de 50% para 25% (no inciso II), que era uma das condições para o encerramento da falência, e foram revogados os incisos III (decurso de prazo de 05 anos, sem condenação por crime falimentar) e IV (decurso do prazo de 10 anos, com condenação por crime falimentar).

Ainda, foram incluídos o inciso V (ao artigo 158), que estabelece como condição para a reabilitação do empresário falido o decurso do prazo de 03 anos, contado da decretação da falência, assegurada a utilização do ativo arrecadado para pagamento (mesmo que parcial) do passivo da sociedade falida; e o inciso VI, que autoriza o encerramento da falência (i) nos termos do artigo 114-A (também incluído pela reforma da lei), que se aplica aos casos de falência frustrada (insuficiência ou inexistência de ativo para pagamento do passivo), e (ii) na forma do artigo 156, que prevê o encerramento da falência após apresentação de relatório final e manifestação das Fazendas Públicas interessadas.

Dessa forma, a nova sistemática disciplinada pelo inciso V do artigo 158 (fresh start) visa impedir que o empresário falido seja prejudicado pela delonga do processo de falência, isto é, objetiva incentivar o empresário falido a empreender novamente no Brasil.

É evidente, portanto, a preocupação demonstrada pelos legisladores quanto à influência do empreendedorismo no desenvolvimento econômico brasileiro, em que não se revela razoável depositar todo o ônus do insucesso do negócio na pessoa dos sócios, independentemente de sua atuação diligente na condução da atividade empresarial.

Texto: Sólon Almeida Passos de Lara

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