Nos últimos anos, o Brasil se arrasta em uma crise econômica que atinge de modo mais perverso a iniciativa privada, sobretudo as pequenas e médias empresas. Isso faz
pairar sobre a sociedade diversos temores, dentre os quais destacamos, para os indivíduos, o desemprego e, para as empresas, a falência.
Muitas vezes os empresários, na tentativa de salvar seus negócios, focam apenas em suas atividades operacionais e embrenham-se por caminhos que podem levá-los de vez à bancarrota. No desespero, acabam por contratar ou rolar dívidas com juros exorbitantes ou alienar ativos de modo desvantajoso.
Nesse sentido, existem meios para que a empresa se reorganize financeiramente até que a tormenta passe, dentre os quais se destaca a possibilidade de se valer do Poder Judiciário por meio da chamada recuperação judicial, que veio a substituir a antiga concordata.
Esta medida, então, visa evitar a falência de uma empresa que perde a capacidade de pagar suas dívidas, possibilitando a reorganização dos seus negócios, a administração do passivo e assim que se recupere de momentânea dificuldade financeira.
A recuperação judicial é tratada na Lei n. 11.101 de 2005, conhecida como Lei de Falências e Recuperação de Empresas (LFRE). Este ato normativo deixa claro, em seu artigo 47, que o objetivo do instituto em comento é “viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.
Como se extrai do próprio nome, o pedido de recuperação judicial deve ser feito no Poder Judiciário. A partir de então, a empresa tem seis meses para costurar um acordo com credores sobre um plano de recuperação que deverá apresentar para explicitar como pretende agir para sair da crise financeira.
O juiz irá analisar o processo a ser apresentado e se a documentação estiver em ordem, despachará autorizando a recuperação. A partir de então, a empresa tem 60 dias para apresentar seu plano de recuperação à Justiça, caso contrário terá a sua falência decretada.
Apresentando o plano, o juiz vai divulga-lo para manifestação dos credores que tem 180 dias para aprová-lo ou rejeitá-lo. Se aprovado, a empresa entra em processo de recuperação. Se rejeitado, o juiz decreta a falência da empresa. Essa negociação entre as partes é intermediada por um administrador judicial nomeado pelo juiz.
A base do processo é a negociação entre credores e devedores, permitindo que cada qual apresente as condições que acreditam ser razoáveis. No plano, será analisada a parte contábil, de produção, estoque, fluxo de caixa, entre outros da empresa.
É necessário fazer uma projeção de como a companhia fará para organizar as contas e sair do vermelho, demonstrando aos credores como as dívidas serão pagas e em qual prazo, discriminando, por exemplo, se o pagamento será feito em parcelas fixas, se para isso a empresa venderá bens, se irá se desfazer de uma filial, etc.
Durante a recuperação judicial, a empresa deve cumprir o estabelecido no plano e apresentar um balanço mensal para prestar contas ao juiz e aos credores. Enquanto isso, as operações da empresa seguem normalmente.
A recuperação é encerrada quando a empresa cumprir tudo o que estava previsto no plano de recuperação ou, em não cumprindo, com a decretação pelo juiz de sua falência.
Com esta decretação, nos termos do Artigo 75 da Lei, o devedor é afastado de suas atividades com o objetivo de preservar e otimizar a utilização produtiva dos bens, ativos e recursos produtivos, inclusive os intangíveis, da empresa, determinando-se, nos termos do Artigo 77 da Lei de Falências e Recuperação de Empresas (LFRE), o vencimento antecipado das dívidas do devedor e dos sócios.
Nesse sentido, podemos dizer que em muitos casos a recuperação judicial se mostra vantajosa, especialmente quando analisadas as garantias legais mencionadas.
Dentre as vantagens podemos destacar: a) a continuidade da empresa, o que também interessa a todos, inclusive aos credores, porque assim terão maior possibilidade de verem satisfeitos os seus créditos; b) a manutenção da produção, com a proteção da posse de máquinas e equipamentos ligados à produção ou à prestação dos serviços em face de eventuais tentativas de apreensão por parte de credores para a garantia de dívidas; c) a proteção e preservação dos empregos; d) a preservação da empresa em face de sua função social, o que estimula e fortalece a atividade econômica em geral; e) o reforço da proteção do patrimônio particular dos sócios em relação ao patrimônio da pessoa jurídica, em face da possibilidade de satisfação dos créditos; f) possibilidade de parcelamento dos débitos compatível com o faturamento da empresa; g) renegociação dos débitos com os credores, com eventuais reduções e prolongamentos dos prazos inicialmente estabelecidos nos contratos.
Recomenda-se que a empresa que pretende trilhar o caminho da recuperação judicial seja acompanhada de competente assessoria jurídica, mesmo preliminarmente à propositura do pedido à Justiça, garantindo assim que haja maior viabilidade de sucesso do plano.
As medidas preparatórias para a ação de recuperação, como a elaboração de um plano realista, em que sejam consideradas, além das dívidas trabalhistas, tributárias e operacionais, a situação financeira, econômica e patrimonial da empresa, devem ser construídas de modo consistente e honesto, a fim de demonstrar com segurança como pretende alcançar os objetivos estabelecidos, devendo contemplar, em outras questões, a análise contábil, a capacidade produtiva, o nível de estoques e o fluxo de caixa da empresa recuperanda.
Há, por outro lado, alguns pontos negativos passíveis de serem levantados, que tangem à questão da proteção, às vezes considerada desmedida, ao setor econômico, dos créditos para decretação da falência, a falta de segurança jurídica quanto à possibilidade de parcelamento de dívidas fiscais e de questões ligadas aos direitos trabalhistas, como a limitação de créditos trabalhistas, os créditos provenientes de acidente de trabalho e a perda dos direitos trabalhistas com a recuperação judicial.
Mesmo assim, sopesando essas questões, concluímos que o instituto da recuperação judicial se constitui em benefício concedido pelo Poder Legislativo em que as empresas em situação financeira complicada poderão se valer do Poder Judiciário, com auxílio do administrador judicial, para analisar, planejar e quitar todo o seu passivo de forma organizada, possibilitando sua continuidade nas atividades desenvolvidas.
Fonte: Estadão