A Justiça do Trabalho de Minas Gerais (JT-MG) determinou que a jornada de trabalho de um técnico de enfermagem seja reduzida pela metade, sem prejuízos de salário e compensação de horas. O técnico, que trabalha em uma empresa pública vinculada que administra hospitais universitários federais, terá sua jornada reduzida para acompanhar o tratamento de dois filhos menores diagnosticados com transtorno do espectro autista (TEA), que se enquadra no conceito de pessoa com deficiência.
A empresa, que é vinculada ao Ministério da Educação (MEC) e foi criada sob a forma empresarial pública de direito privado, afirmou que o trabalhador já realizava jornada diferenciada. Também questionou a possibilidade de o técnico dividir tarefas com a esposa e alegou que a redução da jornada acarretaria danos, inclusive aos usuários do SUS. Além disso, a firma destacou que o empregado também trabalha na Prefeitura de Belo Horizonte e a condição almejada seria exclusiva dos servidores públicos.
Contudo, o juiz Cláudio Roberto Carneiro Costa, titular da 20ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, não aceitou os argumentos apresentados. O juiz destacou que a questão deve se ater apenas ao vínculo empregatício existente entre as partes, não podendo a empresa em questão envolver a outra atividade prestada pelo trabalhador em outro órgão público. O magistrado afirmou ainda que as garantias constitucionais e legais asseguradas ao servidor público devem se sobrepor aos limites fáticos da rotina de trabalho da empresa reclamada.
E, na visão de Costa, o trabalhador e sua esposa devem acompanhar os filhos diante da gravidade da situação vivenciada. “Os filhos apresentam uma sintonia com o pai, de modo que sua presença nos tratamentos favorece o desenvolvimento dos menores”, argumentou. O fato de a CLT não prever regra específica a respeito das garantias concedidas nas relações de trabalho aos empregados que são pais de crianças com necessidades especiais não prejudicou o deferimento do pedido. “O próprio ordenamento jurídico e as regras de interpretação conforme a Constituição, analogia e princípios fundamentais oferecem soluções para o caso de lacuna normativa”, considerou.
O magistrado se referiu à Lei nº 8.112/1990, que trata do regime jurídico dos servidores públicos. Conforme explicou, os parágrafos 2º e 3º do artigo 98, com redação alterada pelas Leis nºs 9.527/97 e 13.370/16, preveem a concessão de horário especial ao servidor que tenha cônjuge, filho ou dependente com deficiência.
Em decisão, o juiz destacou que o Art. 5, inciso XXXV da Constituição consagra o princípio da inafastabilidade da jurisdição, impedindo que o juiz se furte ao julgamento pela simples omissão da lei. Portanto, mesmo na ausência de norma para casos específicos, não há impedimento para a aplicação de norma legal estabelecida para uma situação semelhante e análoga.
Assim, o juiz frisou que o direito à saúde garante que criança e adolescente devem ser beneficiados com todas as medidas possíveis e necessárias para a preservação da vida, de modo a propiciar meios eficazes de tornar menos dolorosas as sequelas físicas e mentais daqueles que sofrem de problemas crônicos sem possibilidade de cura
O julgador repudiou a tese de que o filho de trabalhador que não se enquadra no espectro da Lei nº 8.112/90 não teria as mesmas garantias asseguradas pelo artigo 98 desse diploma legal diante da mesma situação fática. Para ele, isso implicaria tratamento discriminatório, o que também é vedado pela Constituição brasileira.
“O Judiciário não pode promover a desigualdade e permitir que uma criança tenha assistência especial e outra que apresente as mesmas condições de saúde não se beneficie da mesma assistência por ausência de regramento legal quando existe regramento normativo que deve ser interpretado à luz dos direitos fundamentais”, destacou acrescentando que a isonomia consiste em tratar os desiguais na medida de sua diferença, de forma a promover a igualdade, o que justifica o tratamento especial conferido pela lei aos genitores de crianças com deficiência.
“É dever de toda sociedade garantir a proteção jurídica da criança e do adolescente portador de necessidades especiais”, afirmou ainda. No entender do magistrado, a empregadora, ente da administração pública indireta, não pode se furtar em conceder a redução de jornada estabelecida no parágrafo 3º do artigo 98 da Lei nº 8.112/90, cuja aplicação analógica ao caso entende se impor.
Houve recurso, mas o TRT de Minas manteve a decisão.
Fonte: TRT3