Valdemir Dantas, da Latina, espera que as receitas cresçam 25% este ano, após avanço de 23% em 2017
A receita da fabricante de eletrodomésticos Latina deve crescer 25% este ano depois de avanço de 23% em 2017, na comparação com o ano anterior, segundo o empresário e presidente da companhia, Valdemir Dantas. Diferentemente do que possa parecer à primeira vista, diz ele, não se trata de otimismo exacerbado.
“É um cálculo em cima do que podemos ter. O crescimento expressivo é possível porque a empresa ficou reduzida à metade do que já foi”, conta o empresário, que em julho de 2014 recorreu à recuperação judicial, após ver o faturamento cair de R$ 180 milhões em 2012 para R$ 100 milhões em 2014 e ficar sem fluxo de caixa para pagar normalmente os fornecedores.
Dantas prevê melhor desempenho da empresa no momento em que a economia volta a respirar. Em 2017 a Latina voltou a ter Ebtida positivo, o primeiro em três anos, diz ele, referindo-se ao lucro antes dos juros, impostos, depreciação e amortização. Para este ano, Dantas espera crescimento de cerca de 15% no quadro de funcionários, caso as expectativas sejam cumpridas. A estrutura atual, de 124 funcionários, está dimensionada para faturamento anual de R$ 72 milhões. Em 2013 a Latina chegou a ter 300 trabalhadores.
A Latina foi uma das 828 empresas que recorreram à recuperação judicial em 2014, ano que marcou a desaceleração da economia, com PIB ainda crescente, em 0,5%, depois de alta de 3% no ano anterior. Em 2015, quando a economia encolheu 3,77%, outras 1.287 empresas solicitaram a medida. No ano seguinte o PIB caiu novamente, em 3,6%, e outras 1.863 ampliaram o grupo dos que buscaram a recuperação judicial. Foi apenas em 2017 que o indicador recuou, com queda de 23,8% no número de empresas.
Apesar de ter provocado aumento nas recuperações judiciais, a recessão não tornou mais difícil o cumprimento e aprovação de planos junto aos credores. Pelo que indicam os dados da Primeira Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo, a taxa de sucesso aumentou nos processos de moratória. De 2011 a janeiro de 2018 foram distribuídos na Primeira Vara 232 processos de recuperação judicial. Desse total, 128 empresas tiveram o início do processamento deferido (início do processo). Nesse grupo, 71 tiveram o plano aprovado, o que significa 55,47% de aprovação.
Dos 71 planos aprovados, em apenas 13 as empresas foram à falência, diz Daniel Carnio Costa, juiz titular da Primeira Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo. Dos 58 processos que não foram transformados em falência, 29 já cumpriram o plano por mais de dois anos, e oito já foram encerrados. Segundo ele, 29 processos estão em andamento com cumprimento do plano, com prazo inferior a dois anos. “Poderíamos afirmar que a taxa de sucesso da Primeira Vara é de 81,7%”, afirma, levando em conta processo com planos aprovados e já cumpridos ou em fase de cumprimento, sem conversão em falência. Em levantamentos anteriores, a taxa de sucesso era de cerca de 70%.
Costa destaca que as estatísticas se referem a apenas uma Vara de Falências. Em São Paulo, existem três. O juiz diz, porém, que os credores têm sido mais flexíveis tanto na aprovação dos planos quanto nos casos em que o devedor solicita prazo maior para sair da recuperação.
“Os credores compreendem que é mais vantajoso apostar na continuidade da atividade, em vez da liquidação da empresa numa conjuntura econômica desfavorável.”
Para o juiz, o aumento da taxa de sucesso também resulta do amadurecimento do mercado em relação à recuperação judicial, com melhor compreensão dos credores sobre a medida. “De outro lado, também os devedores passaram a apresentar planos mais razoáveis.”
Julio Mandel, advogado da área falimentar, tem análise semelhante. À exceção de casos em que se verifique má-fé de administradores ou de empresários, os credores têm sido flexíveis na aprovação de planos de recuperação e também nos pedidos de revisão. A flexibilidade existe, diz, quando os credores verificam que a empresa seguiu o plano e tomou as medidas necessárias para cortar custos e melhorar a produção, mas a situação econômica ainda não é favorável.
A decisão nos casos de pedido de revisão das empresas, explica Mandel, é do juiz, mas a jurisprudência permite que se chame uma assembleia de credores. O que se recomenda é que a empresa solicite a revisão quando percebe que não está em condições de cumprir prazos futuros, mesmo que venha saldando pontualmente as obrigações do plano. A dificuldade que as empresas ainda enfrentam, porém, está no tratamento desigual a credores. Bancos com créditos garantidos por alienação fiduciária, exemplifica Mandel, ficam fora da recuperação judicial e costumam ser credores importantes.
Dantas, da Latina, conta que não teve dificuldade para aprovar o plano de recuperação. Segundo ele, a proposta contou com 100% de adesão dos trabalhadores, 100% dos credores com garantia e 85% dos credores quirografários. O empresário diz que pagou a quarta parcela semestral da recuperação judicial em janeiro, mas que nos próximos seis meses não deverá tomar iniciativa para sair da moratória. Levantar a recuperação, diz ele, tem vantagens, como o acesso a crédito mais barato ou a clientes que não aceitam negociar com empresas em meio a esse processo.
“Mas temos uma vida inteira pela frente e eu preciso consolidar os passos dados pela empresa, que está em processo de recuperação de liquidez.” Nesse sentido, medidas severas foram tomadas, afirma Dantas, como focar em produtos mais competitivos e reduzir o raio de alcance da distribuição dos eletrodomésticos.
Luiz Rabi, economista da Serasa Experian, explica que o cenário esperado a partir de 2018 deve ser mais favorável para que as empresas consigam voltar à atividade fora do processo de recuperação. Ele lembra que entre os fatores que afetam a solvência das empresas estão a insuficiência na geração de caixa e o custo do spread bancário. Com a perspectiva de queda de juros e uma maior dinamismo da economia não tão concentrado, com impactos em mais cadeias produtivas, o cenário deve favorecer as empresas em recuperação.
Apesar da melhora na economia doméstica, Dantas prefere manter certa cautela. O desemprego, diz ele, ainda continua alto. Apesar de acreditar que seus produtos ainda têm grande espaço para ocupar, ele ainda analisa o efeito que a perda de renda ainda pode ter nas suas linhas. Atualmente, o carro-chefe da empresa, responsável por 45% do faturamento, são os purificadores de água. O restante está dividido em bebedouros, “tanquinhos”, secadora e ventilador de teto.
FONTE: Valor