A expansão das companhias através da criação de conglomerados empresariais tornou‐se prática corriqueira da economia contemporânea. Ao distribuir atividades, patrimônio e centros decisórios entre várias pessoas jurídicas, os grupos societários ganham agilidade para aproveitar oportunidades de mercado e capitalizar nessas aberturas. Entretanto, essa fragmentação cria incertezas quanto a responsabilidade de cada empresa.

É nesse cenário que foi promulgada a Lei 12.846/2013 (Lei Anticorrupção), esta que instituiu responsabilidade objetiva para pessoas jurídicas e previu hipóteses de solidariedade entre controladoras, controladas, coligadas ou consorciadas pelos danos e multas decorrentes de práticas consideradas abusivas, buscando impedir que a segmentação societária funcione como método de esquivar-se à aplicação das sanções legais.

Apesar da clareza teleológica do dispositivo, a extensão concreta dessa solidariedade ainda suscitava dúvidas, sobretudo quando a empresa que praticou diretamente o ato ilícito não coincide com aquela que colhe a vantagem econômica no âmbito do grupo. 

         Essas dúvidas, todavia, foram enfrentadas e decididas pela 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 2.209.077/RS, que reconheceu que todas as empresas integrantes de um conglomerado podem ser responsabilizadas solidariamente pelos ilícitos previstos na Lei Anticorrupção, independentemente de ter havido sucessão societária ou participação direta de cada pessoa jurídica no fato.

       O caso dizia respeito a supostas vantagens indevidas obtidas em aditivos contratuais de concessão rodoviária. Ainda assim, o Tribunal firmou tese de alcance geral, enfatizando que a finalidade da lei seria frustrada se, para esquivar‐se da punição, bastasse pulverizar operações em sociedades diversas.

      O novo precedente do Superior Tribunal de Justiça consolida a interpretação da Lei 12.846/2013, que adota a responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas por atos lesivos praticados em seu interesse ou benefício, esta que prescinde de culpa, e estende, de forma solidária, os efeitos sancionatórios às controladoras, controladas, coligadas e consorciadas.

         A intenção declarada do legislador foi tapar eventuais lacunas que poderiam resultar de mudanças estratégicas (ou não) em suas organizações societárias, pulverizando suas atividades e patrimônio em múltiplas pessoas jurídicas.

      Quanto ao julgamento do Recurso Especial 2.209.077/RS, aa ação civil pública de origem, o Ministério Público Federal sustentou que aditivos contratuais em concessão rodoviária teriam produzido desequilíbrio econômico-financeiro da via em favor da concessionária e de suas controladoras, supostamente mediante vantagens indevidas a agentes públicos. A empresa recorrente, ex-acionista da concessionária, pleiteava sua exclusão do polo passivo sob o argumento de que não participara dos ilícitos nem detinha mais vínculo societário relevante.

         A 1ª Turma do STJ, no entanto, manteve-a na demanda e, por unanimidade, negou provimento ao Recurso Especial, assinalando que a solidariedade legal não se subordina a sucessão ou à intervenção direta de cada pessoa jurídica no ato, bastando que o ilícito tenha ocorrido ou produzido efeitos sob a vigência da Lei Anticorrupção dentro de um mesmo grupo econômico.

        O julgado sublinhou que o § 2º do art. 4º: “tem a finalidade de abranger o maior número de situações possíveis no âmbito da criação, da transformação, do agrupamento e da dissolução de empresas, impedindo, dessa forma, a ausência de responsabilização em decorrência de lacuna legislativa”, evitando a evasão de responsabilidade por meio de engenharia societária.

          De um ponto de vista crítico, a ampliação objetiva da solidariedade suscita um aparente dilema de proporcionalidade: holdings que não participaram da execução do contrato podem ser chamadas a pagar integralmente a mesma multa aplicada à controlada operacional.

Veja-se, como discutido, solidariedade difere-se de subsidiariedade, no que tange à ordem de pagamento. Assim, ainda que a empresa tenha aproveitado apenas marginalmente a vantagem econômica, poderá ser compelida a quitar toda a dívida. Há, portanto, o desafio de delinear com precisão o nexo causal entre a participação societária e a vantagem econômica.

Esses pontos, porém, parecem desafios de calibragem mais do que razões para afastar a tese, na medida em que o STJ deixou claro que a finalidade maior é a de preservação do interesse público. Portanto, a consolidação, pelo Superior Tribunal de Justiça, da solidariedade entre empresas de um mesmo conglomerado, na aplicação da Lei 12.846/2013, rompe a lógica segundo a qual a fragmentação societária poderia servir de escudo à responsabilidade por atos de corrupção.

Ao reconhecer que a sanção e a reparação do dano podem alcançar controladoras, controladas, coligadas ou consorciadas, o precedente fortalece a função preventiva da lei e concretiza a diretriz de que a persecução do interesse público não pode ser frustrada por meras construções formais.

          De um ponto de vista crítico, a ampliação objetiva da solidariedade suscita um aparente dilema de proporcionalidade: holdings que não participaram da execução do contrato podem ser chamadas a pagar integralmente a mesma multa aplicada à controlada operacional.

Veja-se, como discutido, solidariedade difere-se de subsidiariedade, no que tange à ordem de pagamento. Assim, ainda que a empresa tenha aproveitado apenas marginalmente a vantagem econômica, poderá ser compelida a quitar toda a dívida. Há, portanto, o desafio de delinear com precisão o nexo causal entre a participação societária e a vantagem econômica.

Esses pontos, porém, parecem desafios de calibragem mais do que razões para afastar a tese, na medida em que o STJ deixou claro que a finalidade maior é a de preservação do interesse público. Portanto, a consolidação, pelo Superior Tribunal de Justiça, da solidariedade entre empresas de um mesmo conglomerado, na aplicação da Lei 12.846/2013, rompe a lógica segundo a qual a fragmentação societária poderia servir de escudo à responsabilidade por atos de corrupção.

Ao reconhecer que a sanção e a reparação do dano podem alcançar controladoras, controladas, coligadas ou consorciadas, o precedente fortalece a função preventiva da lei e concretiza a diretriz de que a persecução do interesse público não pode ser frustrada por meras construções formais.

          Ainda que sobrem arestas a aparar, o horizonte à vista é de maior segurança jurídica para a Administração e de maior cautela para às empresas. Doravante, a mensagem é clara: na arena da contratação pública, o proveito obtido por qualquer integrante do grupo irradiará responsabilidade para todo o conjunto societário, de modo que simples rearranjos societários ou ajustes contratuais, por si sós, já não oferecem resguarde patrimonial ante a Lei Anticorrupção.