Ao se firmar um contrato com alguém, o normal é que suas cláusulas sejam integralmente cumpridas por todas as partes (o que também se aplica a contratos firmados com governos federal, estadual e municipal, autarquias, sociedades de economia mista etc.). Ademais, em situações normais é certo que os contratos trazem consequências (tais como multas e rescisão, sem prejuízo de indenização por danos) para a parte que os descumpra.
Todavia, nem sempre se vive situações normais. Há ocasiões, como a que se vive agora no mundo todo por conta da pandemia de coronavírus/COVID-19, em que o cumprimento de um contrato (ou de algumas de suas disposições) torna-se dificultado ou até mesmo impossível por circunstâncias alheias à vontade e/ou ao controle da parte.
Para remediar tais situações, ao longo da história foram criados conceitos legais e mecanismos destinados a dar conta do problema. Dentre tais conceitos e mecanismos, podem ser citados os casos fortuitos e de força maior, ou então a chamada Teoria da Imprevisão. De fato, referidos conceitos tratam de relativizar a obrigatoriedade de cumprimento dos contratos diante de situações imprevisíveis e/ou que não sejam controláveis pelas partes e que também interfiram e/ou impeçam a integral observância às disposições contratuais.
Neste aspecto, casos fortuitos ou de força maior e Teoria da Imprevisão são assim previstos nos artigo 393 e 417 do Código Civil:
Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
Parágrafo único: O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.
Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quando possível, o valor real da prestação.
Sob outro enfoque, e embora os contratos de direito administrativo tenham algumas características distintas em relação aos contratos civis, é certo que muitas das disposições e conceitos inerentes a estes últimos também são aplicáveis aos primeiros, no que se incluem os conceitos (e consequências) dos casos fortuitos e de força maior e também a Teoria da Imprevisão.
Deveras, quando da epidemia de H1N1, e para contornar as situações então havidas, os tribunais brasileiros enquadraram a situação como caso de força maior, o que tende a ser adotado na pandemia agora instaurada (sem prejuízo do enquadramento como caso fortuito ou fato imprevisto, cujas consequências são análogas).
Efetivamente, força maior é o que se verifica diante de evento imprevisível que acarreta a impossibilidade de se cumprir obrigação prévia e contratualmente assumida, impossibilidade esta que não é atribuível à vontade de quem deveria cumprir a obrigação (bem ou serviço), e tampouco à daquele que receberia tal bem ou serviço. Ademais, trata-se de fato inevitável, além das forças de controle das partes envolvidas. E, como exemplo típico de tal ocorrência, tem-se a pandemia que agora a todos nos acomete indistintamente, embora em graus e efeitos diversos.
Assim, conforme a previsão legal sobre casos de força maior, e em sendo estes caracterizados, fica justificado o não cumprimento da obrigação contratual pela parte afetada em tais situações. Mais do que isso, fica a parte desobrigada de responder por prejuízos decorrentes do não cumprimento do contrato. Contudo, se um caso de força maior interfere apenas em parte das obrigações contratuais, isso de forma alguma autoriza o descumprimento integral do contrato, o que, se ocorrer, não afasta a responsabilidade da parte que assim agir.
Especificamente quanto aos contratos administrativos, a norma geral que os rege (artigos 37, inciso XXI da Constituição Federal e 65 da Lei nº 8.666/93) dispõe que, no caso de evento imprevisível, ou mesmo previsível mas com consequências não apuráveis de plano (sendo que em ambos se enquadra a pandemia), a Administração Pública ficará responsável pelo reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos, devendo (salvo excessos da parte contratada) então assumir os efeitos dos danos havidos.
Na situação agora vivida, é certo que os serviços públicos prestados por entes privados já tiveram e continuarão tendo imensos impactos em suas operações e receita, tal como tem ocorrido sobremaneira com as prestadoras de serviços de transporte coletivo (que enfrentam tanto a queda natural do número de usuários por conta da paralisação da maioria dos setores de comércio e serviços quanto as restrições impostas pelo poder público em diversas localidades).
Logo, cabe pensar que a queda na demanda e/ou outras restrições oriundas de medidas da Administração para conter a pandemia tratam-se de casos de força maior, imprevisíveis tanto em relação à sua ocorrência quanto à intensidade dos efeitos e extensão destes no tempo. Por isso, os descumprimentos contratuais que isso gerará (e também seus efeitos) deverão ser tratados mediante o reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos a ser suportado pela Administração Pública na proporção do que vier a ocorrer no âmbito de cada contrato administrativo.
Salvo melhor juízo, é este o parecer, sendo que a Farracha de Castro Advogados se coloca à disposição para mais informações sobre o tema.
Luiz Fernando Araujo Pereira Jr.
OAB/PR 25.930