A mediação é um dos métodos alternativos de resolução de conflito, pelo qual um terceiro imparcial é incumbido de mediar uma relação entre duas partes, a fim de que elas cheguem a um consenso quanto a um determinado litígio.
Com efeito, trata-se de procedimento voluntário que é baseado nos princípios da boa-fé e da vontade das partes, em que se busca a resolução de um conflito de interesses através do diálogo. Para tanto, o resultado é obtido com a contribuição de um mediador neutro e imparcial, que é responsável por auxiliar na interlocução entre as partes.
Dessa forma, nota-se que a mediação é um método extremamente relevante para o contexto atual, eis que se afigura como uma possibilidade de desafogar o Poder Judiciário brasileiro, que é provocado incessantemente para solucionar litígios que poderiam ser facilmente resolvidos através do diálogo. Inclusive, o tema merece destaque, uma vez que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apresentou relatório no final do ano de 2021, contabilizando mais de 62 milhões ações judiciais ativas[1].
Não obstante, essa cultura litigiosa existente no Brasil, que na prática remete à elevação exponencial de processos ativos, repercute em prejuízos aos próprios litigantes, em razão da tendência à publicação de decisões cada vez mais genéricas e pouco efetivas, o que gera uma sensação de insatisfação por parte de toda a sociedade.
Nesse cenário de sobrecarga do Poder Judiciário, os prejuízos tendem a ser ainda maiores em demandas complexas que versam sobre interesses que atingem uma coletividade de jurisdicionados, como ocorre nos procedimentos de recuperação judicial e falência.
Diante dessa perspectiva preocupante, os Poderes Judiciário e Legislativo têm envidado esforços na tentativa de consolidar o procedimento de mediação em processos de recuperação judicial, extrajudicial e falência, o que motivou a inclusão da Seção II-A na Lei 11.101/2005 (Lei de Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falências), através do advento da Lei nº 14.112/2020 (reforma da legislação falimentar), cujo conjunto de normas trata exclusivamente da conciliação e da mediação antecedentes ou incidentais nos processos de Recuperação Judicial.
Inclusive, a atenção aos métodos alternativos de solução de conflitos é flagrante pela leitura do art. 20-A da Lei nº 11.101/2005 (que inaugura a Seção II-A), o qual estabelece que a mediação e a conciliação deverão ser incentivadas em qualquer grau de jurisdição nos processos de recuperação judicial e falência. Adiante na Seção II-A, nota-se o cuidado do legislador infraconstitucional em esclarecer expressamente em quais casos o método autocompositivo deve ser estimulado, dentre os quais destacam-se: (a) soluções de conflitos contratuais que envolvam a recuperanda e os credores; (b) definição do valor do crédito; (c) concessão de tratamento diferenciado de credor parceiro antes da homologação do plano de recuperação judicial; (d) elaboração do plano de recuperação judicial; e (e) adesão de credores não sujeitos à recuperação judicial.
Por outro lado, o art. 20-B da Lei nº 11.101/2005 impede que a conciliação e a mediação sejam utilizadas para deliberar sobre a natureza jurídica e a classificação de créditos, bem como sobre critérios de votação em assembleia-geral de credores, o que converge aos vetores que norteiam os procedimentos falimentar e recuperatório, mais precisamente os princípios da igualdade e da isonomia.
A exemplo da viabilidade dos métodos alternativos da conciliação e mediação para solucionar litígios de baixa complexidade, pode-se destacar o caso emblemático do processo de Recuperação Judicial de um dos maiores grupos de telecomunicação em atividade no Brasil, que é o Grupo OI.
Com efeito, a Recuperação Judicial do Grupo OI conta com um passivo de aproximadamente R$64 bilhões, e mais de 30 mil incidentes processuais em curso, fato que justificou o emprego da mediação de forma incidental ao processo recuperatório.
Com a instauração da mediação incidental, foram criados três procedimentos de mediação on-line, por meio de uma plataforma virtual desenvolvida exclusivamente para o processo de Recuperação Judicial do Grupo OI. Para tanto, os credores mediados foram subdivididos em três categorias: (i) programa de acordo para credores com crédito até R$50.000,00; (ii) mediação com incidentes processuais; e (iii) mediação com créditos ilíquidos.
Como resultado deste processo de mediação, foram atingidos, aproximadamente, R$ 640 milhões de créditos, o que possibilitou a extinção de milhares de demandas judiciais em curso e reduziu drasticamente a quantidade de impugnações de crédito que seriam ajuizadas para readequação dos valores relacionados ao processo de Recuperação Judicial.
Portanto, considerando que o procedimento de Recuperação Judicial tem o objetivo de viabilizar o soerguimento da empresa em crise temporária e superável, o que, comumente, traduz-se em um número considerável de credores e uma quantidade elevada de incidentes processuais, reafirma-se a relevância da mediação como método alternativo de solução de conflitos que é compatível com os princípios da preservação da empresa e da função social, assegurando o respeito ao princípio da igualdade entre credores.
[1] Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2022/09/justica-em-numeros-2022-1.pdf.