O Dia do Amigo costuma evocar lembranças afetuosas e inspirações empreendedoras: não foram Larry Page e Sergey Brin, Brian Chesky e Joe Gebbia, ou ainda Mark Zuckerberg e Eduardo Saverin, bons amigos antes de transformarem ideias colegiais em gigantes como Google, Airbnb e Facebook?
O êxito dessas histórias confirma que amizade e negócios podem, sim, marchar lado a lado, mas também evidencia que o laço pessoal não substitui a racionalidade contratual. John D. Rockefeller certa vez observou que “uma amizade criada nos negócios é melhor do que negócios criados na amizade”. Em outras palavras, o pilar econômico, e não o afeto, deve sustentar a sociedade.
Uma pesquisa realizada pelo SEBRAE em 2016 revelou que cerca de 23,5% dos empreendedores brasileiros têm parentes ou amigos como sócios. O dado demonstra a popularidade do modelo, mas também alerta para o número de amizades colocadas à prova em razão de contratos mal elaborados ou, pior, travestidos de meras promessas verbais.
A confiança tácita, por mais nobre que seja, não elimina a necessidade de definir responsabilidades, métricas de desempenho e mecanismos de saída. Afinal, a solidariedade entre os sócios, conforme dispõe o art. 265 do Código Civil, não se presume, pois decorre da lei ou da vontade das partes.
Nessa linha, razoabilidade é a palavra de ordem. Cláusulas equilibradas, nem draconianas, nem dóceis em excesso, dão previsibilidade e evitam que, no primeiro revés, as conversas amistosas se convertam em litígios.

Convém também detalhar os aportes de capital (financeiros e intangíveis), pró-labore, distribuição de lucros e critérios de valuation caso alguém deseje se retirar. Além disso, vale prever cenários de falecimento ou incapacidade, estipulando prazos realistas para liquidação de quotas e vedando, se for o caso, a entrada automática de herdeiros na gestão.
Outro ponto sensível é o “deadlock”: nas sociedades paritárias (“50/50”) o empate decisório pode engessar o negócio. Instituir voto de desempate, cláusula de aquisição forçada (buy-sell) ou mediação arbitral escalonada preserva a amizade e o fluxo operacional. De igual modo, a separação entre vida pessoal e profissional exige que cada sócio assuma funções compatíveis com suas habilidades: quem domina o comercial que pilote vendas; quem se sente confortável no back-office que assuma o administrativo. Em momentos de turbulência, saber quem vai ao front e quem segura o caixa evita sobrecargas e ressentimentos.
Tal como num relacionamento afetivo, sócios nutrem visões e expectativas distintas. O contrato cumpre o papel de regulador desse “contrato psicológico”, amparando concessões recíprocas sem destruir a identidade de cada parte. Se bem redigido, ele funciona como seguro de amizade, não seu antídoto. Por isso se diz, e vale repetir sem ironia, amigos, amigos, negócios à parte.

Contratos bem-postos não enrijecem a convivência. Reafirmam que todos buscam lucro, perpetuidade e expansão, ainda que o brinde inaugural ecoe o calor de velhos tempos de faculdade, escola primária ou vivências familiares.
A formalização não impede a criatividade nem mina a camaradagem; antes, traça contornos que permitem que a amizade floresça no plano pessoal, enquanto a sociedade segue adiante escorada em regras que a mantêm viva e lucrativa mesmo que o afeto cresça ou se dissipe. Um contrato bem escrito é, assim, o passaporte que assegura a continuidade da empresa para além, e apesar, da amizade que lhe deu origem.