Algumas instituições financeiras se utilizam de imóveis consistentes em bens de família como garantia de dívida contraída por terceiro, cujo crédito oferecido não foi utilizado para aquisição do referido imóvel, sendo que o valor adquirido beneficiou tão somente o mutuário e não o proprietário do imóvel.

Sem adentrar às questões e conceitos sobre bem de família, cabe apresentar entendimentos a respeito do tema.

O Superior Tribunal de Justiça recentemente se posicionou que “a proteção conferida ao instituto de bem de família é princípio concernente às questões de ordem pública, não se admitindo sequer a renúncia por seu titular do benefício conferido pela lei, sendo possível, inclusive, a desconstituição de penhora anteriormente feita”( STJ, EDcl no Agravo em Recurso Especial nº 511.486/SC, Min. Rel. Raul Araújo, julgado em 03/03/2016.).

Este entendimento confirmou o posicionamento anterior do próprio Tribunal Superior. Vejamos:

BEM DE FAMÍLIA – EXECUÇÃO – NOMEAÇÃO À PENHORA – RENÚNCIA.

O simples fato de nomear o bem à penhora não significa renúncia ao direito garantido pela Lei n.8.009/90. Desnecessidade de nova avaliação” ( STJ – Resp.208.963-Pr. – 4ª Turma – Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar – DJU 07.02.2000)

Oportuno registrar que a impenhorabilidade do bem de família está prevista na Lei nº 8.009/1990, a qual “é norma cogente e de ordem pública, por isso não remanesce espaço para renúncia à proteção legal quanto à impenhorabilidade do bem de família”, segundo entendimento STJ (REsp nº 1.180.873/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, julgado em 17/09/2015).

O objetivo principal da Lei nº 8.009/90 é o da proteção da residência da entidade familiar, especialmente em situações em que o devedor não tem condições de arcar com as obrigações por ele assumidas, diante da frágil situação financeira que experimenta. Assim a medida protetiva existe para que o devedor não seja despojado de sua moradia pela existência de dívidas que não foram contraídas em benefício da sua família.

O art. 1º do citado diploma legal, por sua vez, estabelece que: “O imóvel residencial próprio do casal, ou entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam”.

Nesse diapasão, reza o artigo 3º da citada Lei:

“Art. 3º. A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza”.

Por outro lado, a penhora do imóvel residencial não se subsume a nenhuma das exceções previstas no artigo 3º da aludida Lei.

Portanto, nula a alienação fiduciária do imóvel realizada para garantir débito que não foi contraído para a aquisição do respectivo imóvel pois o direito à moradia é consagrado constitucionalmente (art. 6º CF) e, portanto, indisponível e irrenunciável.

“Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”

Neste sentido o TJSP:

AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CLÁUSULA CONTRATUAL C.C CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO EMPRÉSTIMO CAPITAL DE GIRO ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA BEM DE FAMÍLIA – Alegação de que o bem imóvel é a garantia do contrato em demanda e em caso de inadimplemento das obrigações, imperioso que o apelante, na qualidade de credor, tome as providências legais pertinentes para assegurar seu direito. INADMISSIBILIDADE: Os documentos encartados aos autos mostram que o valor do empréstimo beneficiou apenas a pessoa jurídica, porque tendo a natureza de crédito rotativo em conta corrente, o seu objetivo era o de aumentar a atividade negocial da pessoa jurídica, cuidando-se de recurso para insumo. Desse modo, presume-se que o empréstimo foi efetuado em favor da pessoa jurídica e não em benefício dos sócios ou de suas famílias. A penhora recaiu sobre a única propriedade da família da autora, o que configura o bem de família, nos termos da Lei nº 8.009/90. É entendimento do Colendo Superior Tribunal de Justiça ser impenhorável o bem de família, mesmo aquele dado pelo sócio em garantia hipotecária para assegurar o empréstimo concedido à pessoa jurídica. Sentença mantida. RECURSO DESPROVIDO. (TJ-SP – APL: 00383871020128260602 SP 0038387-10.2012.8.26.0602, Relator: Israel Góes dos Anjos, Data de Julgamento: 05/08/2014, 37ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 07/08/2014)

Assim, observados os precedentes judiciais, bem como a doutrina sobre o tema, em tese, a alienação fiduciária em questão deve ser considerada nula, sob pena de ofensa ao artigo 6º da Constituição Federal.

Autores: Dr. Claudio Mariani Berti Advogado OAB PR 25.822 | Dra. Ana Paula Mariani Notaroberto Advogada OAB PR 66.310.