Em síntese, o presente artigo tratará da possibilidade de empresa arrendatária/concessionária de área portuária, após o julgamento do Recurso Extraordinário 594.015/SP, solicitar à Administração Pública o reequilíbrio financeiro de seu contrato, com a extensão de seu prazo de duração.
Alcance do Recurso Extraodinário 594.015/SP
O plenário do Supremo Tribunal Federal negou provimento, por maioria, ao Recurso Extraordinário 594.015/SP, interposto pela Petrobras S/A contra a cobrança de IPTU pelo Município de Santos-SP, em uma área da União Federal arrendada. Reconhecendo que o tema possui repercussão geral, fixou-se a seguinte tese: “A imunidade recíproca, prevista no art. 150, VI, a, da Constituição não se estende a empresa privada arrendatária de imóvel público, quando seja ela exploradora de atividade econômica com fins lucrativos. Nessa hipótese é constitucional a cobrança do IPTU pelo Município.”
A decisão do Recurso Extraordinário 594.015/SP vincula outras cortes de justiça ao seu entendimento? Não, não vincula. Contudo, por se tratar de tese emanada de julgado com repercussão geral, dificilmente algum questionamento subsistirá em grau de recurso, até por imposição do art. 932, IV, do Código de Processo Civil.
Logo, pelo fato do Supremo Tribunal Federal ter declarado constitucional a cobrança de IPTU – sobre imóveis da União Federal arrendados/concedidos em áreas portuárias e explorados economicamente por empresas –, certamente os municípios portuários irão exigir o tributo.
Conclui-se, assim, que arrendatários/concessionários de áreas portuárias serão obrigados a pagar IPTU. Mas quais são as consequências da legalidade da cobrança deste tributo?
Consequências da cobrança de IPTU: i) aumento de tarifa; ii) demissão de colaboradores, ou; iii) reequilíbrio no arrendamento/concessão portuários
Uma vez firmado o entendimento de que é possível a cobrança de IPTU sobre terrenos da União Federal – vez que arrendados/concedidos para empresas que sobre eles realizam exploração econômica – cumpre analisar os impactos que esta despesa imprevista gerará na relação dos arrendatários/concessionários para com seus clientes, seus trabalhadores e a própria Administração Pública.
O raciocínio é simples. Após o julgamento do Recurso Extraordinário 594.015/SP, uma linha a mais foi gerada na planilha de custos dos arrendatários/concessionários portuários. Mas de onde virá a receita para suportar este despesa?
Num primeiro momento, para fazer frente ao pagamento do IPTU, poder-se-ia imaginar um aumento de tarifa. Assim, os arrendatários/concessionários “criariam caixa” para o pagamento do tributo. Entretanto, este raciocínio afronta o art. 3º, II, da Lei 12.815/2013 (Lei dos Portos): “A exploração dos portos organizados e instalações portuárias, com o objetivo de aumentar a competitividade e o desenvolvimento do país, deve seguir as seguintes diretrizes: (…) II – garantia da modicidade e da publicidade das tarifas e preços praticados no setor, da qualidade da atividade prestada e da efetividade dos direitos dos usuários” .
Ora, o aumento de competitividade é realizado, fundamentalmente, pela redução de tarifas, e não pelo seu aumento. Na mesma toada, o desenvolvimento do país necessita de estímulo à atividade portuária, que só é realizada com a prestação de serviços mediante a cobrança de tarifas razoáveis (modicidade, na letra do art. 3º, II, da Lei 12.815/2013). Elevar o preço da tarifa diminui a competitividade e obsta o desenvolvimento do país, devendo ser afastada, portanto, esta fonte de receita.
Uma outra alternativa seria diminuir a despesa das arrendatárias/concessionárias com sua folha pessoal; quer-se dizer, promover demissões para que esta “folga” na planilha de custos fosse destinada ao pagamento do tributo. Novamente, é de ser invocada uma das linhas-mestra que norteia a Lei dos Portos: “estímulo à modernização e ao aprimoramento da gestão dos portos organizados e instalações portuárias, à valorização e à qualificação da mão de obra portuária e à eficiência das atividades prestadas” (art. 3º, III, da Lei 12.815/2013).
Seria no mínimo contraditório entender que desligar colaboradores é uma forma de valorizar e qualificar a mão de obra portuária. De igual forma, como o arrendatário/concessionário promoveria a eficiência de suas atividades, com menos gente trabalhando? Este é, inclusive, o anseio de todo empresariado: ser mais eficiente, com despesas menores (salário de colaboradores). Se a empresa tem registrado em seu quadro um número específico de trabalhadores, qualquer redução gerará reflexos indeléveis na produtividade. Por conseguinte, o serviço prestado será moroso e de baixa qualidade, merecendo ser descartada igualmente esta hipótese.
Sendo assim, resta uma, e somente uma, possibilidade para o combalido arrendatário/concessionário solucionar esta equação: pleitear o reequilíbrio financeiro diante da Administração Pública.
O reequilíbrio nos arrendamentos/concessões portuários
Sobre a possibilidade de pedido de reequilíbrio financeiro nos arrendamentos/concessões portuários, muito embora a Lei 12.815/2013 não indique quais são os requisitos necessários a tal expediente, é de se observar que outros dispositivos legais assim o permitem.
Neste sentido, observem-se as nuances da Lei 8.987/1995 (que trata sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos), como também da Lei 8.666/1993 (que “estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios” – art. 1º).
Já o art. 27, VII, da Lei 10.233/2001 (que cria a Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ), ainda que trate exclusivamente do reajuste de tarifa, de forma indireta, também autoriza a prorrogação do período do contrato. Uma vez que o aumento da tarifa é permitido, para que o usuário não seja prejudicado, pode este acréscimo ser diluído no tempo, com a necessária adição deste período à duração total do contrato de arrendamento/concessão.
Mesmo que assim não fosse, o art. 5º, IV, da própria Lei dos Portos, de maneira tímida é verdade, também esboça a possibilidade de revisão, ao classificar como essencial a cláusula dos instrumentos de arrendamentos/concessões relativas “ao valor do contrato, às tarifas praticadas e aos critérios e procedimentos de revisão e reajuste”.
Assim, é possível sim solicitar o reequilíbrio financeiro do contrato de arrendamento/concessão portuário. Mas qual seria o requisito a ser preenchido, para que o pedido fosse deferido pelo poder arrendador/concedente?
A quebra do paradigma da isonomia recíproca como justificativa à revisão
Após percorrer este texto, concluiu-se que é sim possível solicitar o reequilíbrio financeiro dos contratos de arrendamento/concessão portuários. Para tanto, deve ser constatado, de forma robusta, que a cobrança de IPTU de áreas portuárias da União Federal arrendadas/concedidas não poderia ser prevista quando da assinatura dos respectivos contratos administrativos.
Tanto no arrendamento (RE 594.015/SP), como na concessão (RE 601.720/RJ), ao tempo da assinatura dos contratos administrativos, jamais a possibilidade de cobrança de IPTU foi cogitada.
Não fosse assim, o Supremo Tribunal Federal sequer teria conhecido do recursos extraordinários já citados. É que ao determinar que o tema possui sim repercussão geral, o Pretório Excelso constatou que até aquele determinado momento no ordenamento jurídico o status quo era um, sendo que após o julgamento, houve uma mudança de pensamento, com o nascimento de um cenário que não era previsto.
Entender de forma diversa é reconhecer que não há segurança jurídica na celebração de contratos administrativos, eis que o equilíbrio financeiro pode ser alterado repentinamente.
Se a possibilidade de cobrança de IPTU fosse tão óbvia, seria desnecessário o STF ter conferido notoriedade ao julgamento, erigindo-o como “divisor de águas”, inclusive sumulando o precedente. Note-se que o resultado do julgamento cumpriu exatamente o disposto no art. 927, §4º, do Código de Processo Civil, pois considerou os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia ao observar a fundamentação adequada, quando da modificação de jurisprudência pacificada.
Portanto, após o julgamento dos RE 594.015/SP e 601.720/RJ, reputa-se plenamente cabível o pedido de reequilíbrio financeiro dos contratos de arrendamento/concessão portuários.
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Artigo de Dr. Maurício Andrade do Vale
OAB/PR 32.752