Nestes últimos meses temos visto o crescimento das manifestações populares contra as mazelas de nosso país, iniciando-se com as passeatas do “abaixo os R$ 0,20”, em alusão ao aumento das passagens de transporte público, em sequência com a pergunta “cadê o Amarildo?”, cujo estopim – ao que tudo indica – foi a atuação desastrada da polícia pacificadora em um morro do Rio de Janeiro, e, por aí afora, em decorrência de um mal muito maior que é a falência do Estado em cuidar dos interesses mínimos de seus cidadãos, saúde, educação e segurança.
No meio dessa revolução, outro tema bastante controvertido dizia respeito à famosa “PEC 37”, Proposta de Emenda Constitucional cujo conteúdo, em tese, tornaria a investigação criminal privativa às autoridades policiais, retirando do Ministério Público o poder de conduzir e instaurar procedimentos de investigação dessa espécie. Diante do forte apelo contra a corrupção, a PEC 37 foi rejeitada pelo Congresso Nacional.
Consequência (ou não) desse acontecimento, percebe-se que os Tribunais Pátrios têm assumido posicionamento mais favorável à atuação do parquet, a exemplo do que discorreu recentemente a e. Ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do HC nº 118.280/MG, firmando sua posição no sentido de que se “o sistema constitucional atribuiu aos órgãos policiais o papel principal na investigação criminal e aos Delegados de Polícia a condução dos inquéritos penais não significa reputar impedido o Ministério Público de realizar diligências investigatórias quando circunstâncias particulares o exigirem. O adequado cumprimento das funções institucionais do MP impõe, em alguns casos, a necessidade de busca de elementos informativos que possibilitem a persecução judicial, como em situações de lesão ao patrimônio público; delitos envolvendo a própria polícia; corrupção em altas esferas governamentais ou omissão deliberada ou não na apuração policial.”
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em acórdão relatado pela e. Desembargadora Federal Vivian Josete Pantaleão Caminha, por sua vez, reconheceu que o Ministério Público teria a prerrogativa de solicitar e acessar dados comerciais sigilosos. Essa recente decisão do Tribunal Regional, manteve na íntegra sentença proferida em mandado de segurança cujo objeto era impedir que o Ministério Público do Trabalho do Paraná tivesse acesso a dados comerciais de produtores rurais ligados à indústria do tabaco. O principal argumento adotado neste caso foi o de que “(…) a requisição de documentos constitui prerrogativa do Ministério Público, a fim de bem prestar o seu mister constitucional, nos termos expressos do art. 8º da Lei Complementar nº 75/93”.
Nossa preocupação não se revela por conceder ao parquet a possibilidade de conduzir e iniciar as investigações criminais, mas sim por verificar que não são raras as vezes em que essa prerrogativa de investigador ultrapassa os limites das garantias constitucionais dos indivíduos, restando configurados certos abusos.
Até porque, uma coisa é ser conduzida uma investigação pelo Ministério Público para se perquirir a respeito da ocorrência de uma infração penal. E outra, totalmente diversa, é cercar-se do poder de utilizar essa investigação para arregimentar mecanismos cautelares excepcionais de colheita de provas e de comprovação de fatos supostamente delituosos, o que somente seria possível diante da abertura do inquérito policial e de prévia e fundamentada decisão judicial.
Afinal, não se pode permitir que numa fase pré-processual (como assim devem ser consideradas as investigações perpetradas pelo MPF) sejam banalizados direitos fundamentais de qualquer cidadão, como, por exemplo, quando ocorre a quebra de sigilo fiscal por meio de troca de informações com a Receita Federal.
Relembre-se que “Todos os agentes estatais estão submetidos aos limites que a ordem jurídica lhes impõe, não havendo situação que possa isentar qualquer deles de tal subordinação; os valores acolhidos superiormente no Texto Constitucional não podem ser excepcionados, nem pela atividade normativa do Congresso, nem pela atuação do Poder Judiciário, dada a sua função estruturante do ordenamento, a lhe conferir estabilidade e eficácia, bem como em razão da supremacia dos dispositivos insertos na Lex Legum.”
E, de outro lado, o mesmo Judiciário que tem demonstrado apoio às investigações conduzidas pelo Ministério Público reconhece que “(…) a requisição de informações ou documentos de qualquer autoridade, quando disser respeito à intimidade das pessoas, deve, necessariamente, ser feita mediante prévia autorização judicial, a fim de se compatibilizar o poder investigatório do Ministério Público com os referidos direitos fundamentais.”
Assim, fica a nossa posição no sentido de que não obstante o caráter essencial que a instituição do Ministério Público possui ante a manutenção da ordem jurídica do país, prevenindo e coibindo a prática de crimes, ainda assim todos os atos que importem em violação ou supressão de direitos fundamentais como a privacidade e inviolabilidade devem ser precedidos do devido contraditório e apreciação pelo Poder Judiciário, como forma de garantir a ordem jurídica.
Luiz Carlos Soares S. Junior
– advogado
– Especialista em Direito Penal e Criminologia pelo ICPC – UFPR
– MBA em Direito Societário pela EBS – Estação Business School
– Membro da Comissão de Estudos de Falência e Recuperação Judicial