O direito de imagem, ponto crucial entre a privacidade individual e os interesses econômicos, gera diversas controvérsias sobre a tributação dos valores associados a essa prerrogativa fundamental.
Nesse contexto, persiste uma disputa constante acerca da viabilidade de considerar disponível ou não um direito personalíssimo, bem como das possibilidades de sua flexibilização.
O Poder Judiciário desempenha uma função crucial na proteção da integridade e da consistência do conjunto normativo relacionado a esses direitos. Assim, ao longo do ano de 2023, se revelou como uma instância de importância vital para mediar e resolver os desafios legais e os debates tributários enfrentados pela Receita Federal perante seus contribuintes.
O Supremo Tribunal Federal (STF) tem majoritariamente reconhecido a validade da transferência do direito de imagem de pessoa física para pessoa jurídica e, por conseguinte, a tributação desta – o que garante um regime fiscal mais vantajoso.
O posicionamento fora reiterado pela 1ª Turma do Tribunal em recente julgamento de Relatoria do Ministro Cristiano Zanin na resolução de caso envolvendo atores da indústria de entretenimento brasileira.
Segundo o Ministro, a legislação impede que as autoridades fiscais neguem às pessoas jurídicas que prestam serviços intelectuais, especialmente os de natureza artística, científica ou cultural, o regime tributário mais favorável, mesmo quando a prestação de serviço seja personalíssima.
O embate teve origem quando a Receita Federal do Brasil (RFB) iniciou a imposição de multas substanciais e autuações a personalidades públicas, alegando suposta sonegação fiscal por meio de contratos firmados com a Rede Globo na forma de pessoas jurídicas – fenômeno também conhecido como “pejotização”.
Considerando que as pessoas jurídicas estão sujeitas a alíquotas de Imposto de Renda inferiores à carga tributária de 27,5% aplicada sobre o rendimento de pessoas físicas, o Órgão Fazendário argumentou que os indivíduos autuados deixaram de cumprir suas obrigações tributárias.
Em contrapartida, a emissora evidenciou que, ao reclassificar os ganhos de artistas e jornalistas como provenientes de pessoas físicas em vez de jurídicas, levando em consideração um suposto vínculo empreg atício entre a Globo e os contratados, a RFB violou o entendimento estabelecido pelo STF.
A afirmativa se refere à Ação Declaratória de Constitucionalidade 66, julgada em dezembro de 2020, oportunidade em que o STF decidiu que é constitucional e lícita a utilização de pessoas jurídicas para a redução de encargos fiscais, previdenciários e trabalhistas – em oposição a postura adotada pelo Fisco – como delineado pelo art. 129 da Lei nº 11.196/05:
Art. 129. Para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, em caráter personalíssimo ou não, com ou sem a designação de quaisquer obrigações a sócios ou empregados da sociedade prestadora de serviços, quando por esta realizada, se sujeita tão somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas, sem prejuízo da observância do disposto no art. 50 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil.
Esse precedente legitima a transferência do direito de exploração da imagem para empresas e reitera os benefícios fiscais para entidades que prestam serviços intelectuais de cunho artístico, científico ou cultural.
Assim, decisão reiterada pela 1ª Turma do Tribunal reflete a preocupação em assegurar a aplicação coerente da legislação, mesmo diante de interpretações divergentes por parte da RFB
O litígio entre o Fisco e as personalidades públicas demonstra, portanto, a complexidade e a necessidade de uma abordagem cuidadosa na aplicação das normas tributárias, visando resguardar tanto os direitos dos contribuintes quanto o interesse público na arrecadação fiscal justa e eficiente.